quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

gaveta de meias usadas

todos os seus sapatos amaram a prateleira de cima
os anos vulgares ficaram para depois de amanhã
todas as marcas que colecionamos
ainda estão espalhadas pelo carpete
o melhor caminho era sempre para trás
e trouxemos conosco as vontades passageiras
salivando e roendo os ossos até os ossos
a água que mata a sede e a vontade do veneno
a necessidade da vida eterna e eternamente morrer
morrer por dentro de cada pedaço que sobra
somos a sombra do que nos mente o espelho
assistimos as horas passando sorrateiras
ainda que tarde demais
saberíamos nos proteger
sempre escondemos o ato principal
atrás das cortinas vermelhas
não temos ainda muitas escolhas
para que tenhamos nossa vontade de volta

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

a arte de apagar a luz

somos os mesmos velhos rebentos de vanguarda
de qualquer forma não levantaremos
damos as costas para o abismo
somos filhos do demônio
sonhamos com o cinismo
dissolvemos e unificamos o silêncio
bocas fechadas saboreiam o conformismo
de todas as horas vagas em que passamos
abstêmios de nossos vícios
amamos nossas veias dilatadas
nossos dentes cansados de lamber
lambemos e imortalizamos o sufoco
obra do divino espirito de porco
deixamos os trocados ao lado da cabeceira
e sempre apagamos a luz


a insônia dos poetas contemporâneos

Somos a arte de perder o sono
a desgraça em unissono
olhos abertos e camas vazias
somos as trombetas esquecidas
em xícaras de cobre e zinabre
somos a roleta russa que não fala russo
que te tanto gritar a boca não cala
o relógio que marca o gemido da bala
o relógio que marca

que marca

a agonia dos poetas contemporâneos

tinha uma caneta em sua mão direita
a velha espingarda carregada
sobre suas pernas
escreveu sua melhor poesia
cantou todos os versos
e morreu de agonia
com uma bala entalada na garganta

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

máquinas enferrujadas

passamos graxa em nossos pés 
descalçados
fugindo do gosto amargo
de tanto tempo que passamos
desacordados
as barbas de molho e elas não crescem
somos crianças perdidas
e precisamos de óculos em momentos
inoportunos
somos parte do acaso
e alguns sorrisos forçados

cortinas abaixadas

perdemos as linhas rabiscos escadas
não somos protagonistas
de nenhum conto de fadas
vivemos debaixo dos olhares silenciosos
nos alimentando do barulho
das cortinas abaixadas
sabemos demais do mundo
vimos as luzes e elas se foram
o tempo não perdoa ninguém

calafrios

as cartas viraram cinzas
todo aquele sentimentalismo
o mundo se move em oposta direção
temos as cabeças cortadas
o coração exposto em garganta
somos de calor e ossos frágeis
suor e calafrios
amamos até a morte
só para que possamos
beijar os nossos pulsos

as baratas que morreram afogadas

todas as baratas da cidade
morreram afogadas
lavamos nossas caras
com o sangue da calçada
soubemos andar em círculos
direção oposta ao vento
temos um pouco de alimento
e um livro velho
nada poderia nos impedir
de dançar mais algumas noites

habilidade necessária para sobreviver

acenderíamos uma fogueira
mas os fósforos acabaram
e ainda não desenvolvemos
as técnicas necessárias
para fazer fogo com duas pedras

o poeta morto

respirando todos os sentimentos
de qualquer universo conhecido
amante das palavras difíceis
o poeta encheu suas veias de nanquim
até escorrer pela ponta dedos
e morreu envenenado

natureza autofágica

devoramos pedaços
de nossos próprios corpos
sangue e nervos e filamentos
ossos e sombras e dedos
dentes e sorrisos e lábios
viveremos eternamente
somos o infinito
regurgitando-se
regurgitando-nos

o apocalipse

estamos todos doentes
não temos comprimidos
nenhum xarope para tosse
a salvação está nos dedos dos outros
enquanto nossos cérebros
escorrem pelas nossas narinas
suspiramos ar envenenado
tememos um deus
e um punhado de barro
temos curativos 
e nenhuma sorte
tivemos um pouco de sorte
e vendemos em troca de conforto
nosso sossego é mercúrio
bebemos direto da fonte
todas as gotas da água estagnada
realmente não temos para onde ir
apenas alguns travesseiros
e um bocado de sorte

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

feira livre

vendi todos os medos
em troca de sonhos baratos
carrego comigo a vaidade
não saber sorrir 
mostrar dentes
peco toda vez que acredito em deus
qualquer deus de cal e desespero
sou o dono do mundo
engoli toda a tua cólera 
para que nos matem de fome
matem-nos

balões vermelhos

te escreveria um poema
mas jogaste fora tu
meu bloquinho de rabiscar idéias

qualquer forma de esforço

ainda restou um sorriso amarelado
nada mais
o melhor que faríamos
arrancar os dentes
e não morrer de amores pela boca

melhor o silêncio
do que qualquer forma de esforço

calçadas pavimentadas

tínhamos tudo aquilo pela frente
éramos toda a certeza do mundo
nos mais confortáveis assentos
caberíamos na palma das mãos

o melhor de tudo é o vento
sou de casa e da beira da rua
somos de lugares diferentes
e andamos nas mesmas calçadas